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Inovação: perguntas e algumas respostas

Quando ligamos a TV, parece que todo mundo está inovando. É o que dizem os bancos, as empresas de telefonia celular, as marcas de roupas, de automóveis e de tudo mais o que você pensar. Há uma profusão de eventos e gurus de inovação e empreendedorismo.

Há poucos dias, ao visitar um apartamento, o corretor me informou categoricamente: “Essa construtora é muito inovadora”. Olhei ao redor e o apartamento tinha paredes e portas, até mesmo janelas, uma sala, cozinha, quartos, banheiros e dutos para ar-condicionado. Fiquei pensando: onde está a inovação? Sei lá, mas com tanta gente falando, certamente deve ser coisa boa. Aliás, caro leitor, até esta página é sobre inovação. Isso nos leva à questão sobre o que é inovação.

O quê?

Inovação é a transformação do conhecimento em novos produtos, processos, métodos, modelos de negócios e soluções organizacionais que criam valor econômico e social, ou seja, significa levar para o mercado e para a vida das pessoas coisas novas. Inovação não é descoberta, pesquisa ou invenção. Inovação é, primeiro e acima de tudo, um problema de negócios e instituições, não de ciência e tecnologia.

O lugar da inovação é a empresa e só existe inovação quando o “novo” é utilizado por outros. Em outras palavras, o ato de criar algo novo nunca é suficiente. Só o uso ou a adoção por outros, que veem valor na “novidade”, define se há inovação ou não. Em resumo, inovação significa transformar conhecimento em nota fiscal.

Um produto, processo ou método “inovador” possui qualidades e atributos novos em comparação aos existentes anteriormente. É possível oferecer mais funcionalidades ou ser mais eficiente, eficaz, seguro, atraente, acessível, rápido, durável, confiável, resistente, saboroso ou cool em relação às opções já disponíveis. Contudo, existem diferentes casos típicos de inovação.

O primeiro ocorre quando uma empresa lança ou implementa algo novo apenas para si, mesmo que outras empresas já utilizem essa novidade; nesse caso, é uma ‘inovação para a empresa’. O segundo caso se dá quando a empresa introduz algo inédito para si e para o mercado, configurando uma inovação tanto interna quanto de mercado.

Mas a complexidade do assunto não para por aí. Quanto pensamos em mercado, estamos a relativizar a inovação. O que é novo para você, caro leitor, pode não ser para mim, e vice-versa. O que é novo no “mercado brasileiro” pode já estar há muito tempo no “mercado europeu”.

Para quem?

Cabe perguntar: inovação para quem? Sei que você, leitor, é uma pessoa empreendedora e interessada em inovação. Digamos que, imbuído desse espírito, se você mora em um bairro ou condomínio que não têm uma padaria, abre uma e começa a fabricar e vender pãezinhos franceses. Isso pode ser uma enorme inovação para aquele mercado local, para aquele bairro ou condomínio. Mas, tenha certeza, existem milhões de padarias e muita gente fazendo pãezinhos no mundo. Então, quando pensamos em inovação, sempre temos que considerar o mercado no qual estamos competindo. Sempre.

Inovação não é um conceito absoluto, é sempre relativo ao mercado. Só podemos dizer se uma coisa nova é uma inovação ou não quando olhamos a sua relação com o mercado. É necessário também sempre pensar qual é o mercado que se pretende atender. Mais do que isso, é preciso ter clareza sobre quais atributos aquilo que é “novo” tem que outros já existentes não têm.

Essa discussão pode parecer abstrata, mas afirmo que não é. Há um sentido estratégico muito claro e prático para as empresas e países.

Para as empresas, implica dizer que precisam ter clareza com quem estão competindo, em quais mercados e como, com base em quais atributos. Se não tiverem essa clareza, estarão perdidas, sem saber como e onde competir, possivelmente “atirando para todos os lados”, desperdiçando recursos. Assim, dificilmente obterão os resultados que esperam. Essa é uma questão central de estratégia competitiva. Quanto maior e mais sofisticado o mercado no qual a empresa atua e no qual pretende “inovar”, mais difícil isso se torna, requerendo mais esforço, conhecimento e capacitações da empresa.

Escrevo este texto no meio da tarde, quase na hora do chá por aqui onde estou, o que me sugere voltar ao exemplo dos pãezinhos. Se a ‘sua padaria’ é a única do bairro, qualquer produto que você colocar à venda e as pessoas comprarem será ‘inovador’. Porém, o que seria um produto inovador se você decidir competir em escala mundial, contra todos os milhões de padarias que existem no planeta? Imagine o esforço que seria necessário para criar produtos, testá-los, vendê-los em escala mundial, o tipo de gente que você teria que ter na equipe, o trabalho que isso daria e, possivelmente, quanto você teria que investir.

Mesmo que o mercado seja um bairro no qual já existam outros concorrentes, teremos casos diferentes se o mercado for uma cidade no interior do Brasil ou um bairro de Paris, capital da França, onde o mercado de panificação é altamente sofisticado. Esse raciocínio vale para todos os tipos de negócios. Quanto maior e mais sofisticado o mercado no qual se pretende competir, mais difícil será inovar, mais intenso será o esforço para fazê-lo e mais conhecimento será preciso.

Para os países, a escolha de ‘com quem competir’ diz respeito à estratégia de desenvolvimento e às políticas associadas – de inovação, industrial, de internacionalização. Estabelecer em quais mercados competir define o tipo de esforço a fazer, interna e externamente. Mas se inovar requer esforço e é complicado, por que fazê-lo?

 Por quê?

Inovar significa ser capaz de levar para o mercado ‘soluções’ novas, que outros competidores não entregam nos mercados atendidos. Assim, a inovação permite às empresas criar ‘valor novo’, que outros não criam, concretizar fontes de receita, atender clientes que outros não conseguem atender e, mesmo, reduzir custos.

De uma forma simplificada, o caráter de ‘exclusividade’ (só a empresa que inova tem e oferece) de produtos inovadores permite que as empresas possam cobrar preços mais elevados por seus produtos em um determinado mercado em relação àqueles praticados por seus competidores. Por exemplo, pense na Apple e seu design único, na Mercedes-Benz e seus automóveis.

Inovar em modelos de negócios, por sua vez, permite que as empresas ‘inovadoras’ obtenham fontes de receitas que atendam segmentos de clientes que não estão disponíveis para as empresas concorrentes. Imagine, por exemplo, o Uber quando surgiu e trouxe para o mercado de forma pioneira o modelo no qual indivíduos usam seus próprios veículos (ou alugados) para transportar passageiros que chamam os veículos em um aplicativo no celular. Quando surgiu essa possibilidade, somente o Uber conseguia atender essa demanda, ter acesso a essa fonte de receita.

Por fim, a introdução de novos processos e métodos pode permitir duas coisas simultaneamente. Primeiro, oferecer produtos e serviços que outros não possuem, porque não têm os processos inovadores que levam a produtos inovadores – por exemplo a impressão de peças de aviões e mesmo motores de foguetes com tecnologia de impressão 3D. Segundo, a redução de custos e aumento da qualidade (e do ‘valor’) dos produtos, como no caso da adoção da manufatura enxuta para a fabricação de automóveis, originalmente introduzida pela Toyota Motor Company.

E para os países, qual é a racionalidade da inovação? Por que os países devem de preocupar com inovação? Resumidamente, inovação diz respeito à capacidade de ‘criar valor’ de uma economia. O caminho para que um país construa uma economia mais rica passa, necessariamente, pela inovação.

Nos países membros da OCDE, e o clube dos países ricos, por assim dizer, embora incluindo alguns países aqui da América Latina, a inovação responde por um mínimo de 50% do crescimento econômico[1]. Ou seja, aquilo que mais faz uma economia crescer é a sua capacidade de transformar conhecimento em coisas novas que chegam ao mercado e impactam a vida das pessoas.

Também há evidências claras sobre a importância da inovação para a indústria no Brasil. Em uma pesquisa pioneira do IPEA publicada em 2005[2], que cruzou e analisou dados de cerca de 75.000 empresas industriais brasileiras (97,5% do PIB industrial brasileiro), evidenciou-se que aquelas que inovam e diferenciam produtos geram mais e melhores empregos, são mais produtivas, faturam, exportam e crescem mais.

A inovação tem sentido para as empresas, as pessoas e o país. Mas se a inovação gera resultados econômicos, por que empresas e países não inovam mais? Acima de tudo, porque fazer inovação não é tarefa trivial.

Como?

Decidi fazer uma coisa gostosa, mas prosaica, que aprendi com minha esposa: assistir ao Master Chef. Acho o programa muito divertido. Cozinho pouco (modéstia à parte, meus sanduíches são ótimos… e paro por aqui), mas confesso que fico impressionado com profissionais e, especialmente, cozinheiros amadores fazendo pratos que acho sofisticados, bonitos e que parecem tão gostosos.

Fico pensando: será que eu saberia preparar um prato daqueles se me dessem a lista de ingredientes ou mesmo a receita? Como as pessoas fazem para chegar a um prato tendo apenas os ingredientes ou uma noção geral de como prepará-lo? Assim é a inovação: mesmo que se saiba quais são os ingredientes, é difícil fazer na prática.

Nas últimas décadas, ‘fazer inovação’ tem se tornado mais uma ciência ou técnica, e muito menos uma arte. Há cada vez mais métodos, modelos e frameworks para entender e organizar os processos de inovação nas empresas. Isso inclui desde o modelo de lean startup até os modelos de gestão de processos de inovação, até inovação radical. Isso tudo está cada vez mais sistematizado. Para as empresas, é fundamental dominar tais modelos e técnicas.

Contudo, é quando pensamos nas estratégias e nos sistemas de inovação no plano nacional que a coisa fica mais complexa. Sabe-se que são necessários recursos humanos bem formados, investimento, infraestrutura, capital para investimentos em vários níveis. Mas simplesmente dispor desses elementos não leva aos resultados que muitos esperam. O que isso quer dizer para o Brasil?

E o Brasil com isso?

O Brasil avançou na formação de recursos humanos, ampliou o investimento em C&T e a participação na produção científica mundial[3]. Ou seja, tratou de investir em alguns dos ‘ingredientes’. Contudo, não construiu uma indústria mais inovadora e internacionalmente competitiva, perdeu competitividade.

Estruturalmente, há um descompasso entre os inputs e os outputs dos processos de inovação. Conjunturalmente, em anos recentes, minguou o investimento em ciência e tecnologia[4] e caiu o número de empresas que inovam. Apesar de sabermos há tempos que inovação gera resultados para o país e as empresas, parece que não sabemos combinar os ingredientes da receita.

É claro que há muita coisa ‘nova’ sendo feita por empresas no Brasil. Se pensarmos no ‘mercado global’, no entanto, a economia brasileira tem se mostrado pouco capaz de inovar. A nossa economia, no geral, gera coisas novas para o ‘mercado nacional’, muitas vezes copiando modelos já testados em outros países.

Não há nenhum problema nisso, mas não é suficiente para um país há muito estagnado em um nível de renda per capita de cerca de US$ 10,000.00. Como mudar? Precisamos não só nas empresas, mas no país, de entendimento sobre como se processa a inovação, contando com uma estratégia clara.

Uma estratégia de inovação deve visar o incremento do conteúdo inovador da economia e, no limite, levar a sua transformação estrutural – aumento do número de empresas que inovam, da sofisticação dos mercados atendidos (do local para o global) e do conhecimento agregado em produtos e serviços, do mix de tipos de negócios e setores, e dos seus pesos relativos. A questão que se apresenta é como realizar tal transformação. Um ponto-chave é a internacionalização da economia em todos os sentidos. Inovação e internacionalização andam de mãos dadas.

A agenda de inovação nacional precisa ser sistêmica e partir de um entendimento claro do que é inovação e como acontece na economia. Poderia ter foco em resolver problemas brasileiros e/ou desenvolver áreas tecnológicas e de negócios com potencial de criar vantagem competitiva global para o Brasil e suas empresas.

Precisaria, ainda, focar em promover a modernização no ambiente institucional e econômico e tratar de frente duas questões fundamentais subjacentes: governança e internacionalização – da economia, das empresas, da pesquisa, dos profissionais, das instituições de ensino superior, dos instrumentos e processos de avaliação de desempenho etc. Como vimos, é preciso ter clareza estratégica dos mercados com os quais competir e sobre o que nossa economia precisa para isso. Sem isso, ficaremos onde já estamos, enquanto o mundo avança.

Inovação, para o país, se refere à construção do futuro da economia e a criação de valor. Para isso, mais urgente do que nunca, precisamos de estratégia e ambição, aspectos que destaquei que neste evento no Congresso Nacional. O futuro se constrói, não chega por acaso. Voltarei a esses temas.

Roberto Alvarez é doutor em Engenharia, investidor em startups no Brasil e exterior, e Diretor Executivo da GFCC (Global Federation of Competitiveness Councils), organização global sediada em Washington.

[1] OECD. Innovation Imperative. Paris : OECD, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3rbYFtT.

[2] DE NEGRI, J. A. & SALERNO, M. S. “Inovação, Padrões Tecnológicos e Desempenho das Firmas Industriais Brasileiras”. Brasília : IPEA, 2005.

[3] Ocupa a 14a posição na produção de artigos científicos: https://www.scimagojr.com/countryrank.php.

[4] https://exame.com/brasil/investimento-do-governo-em-ciencia-voltou-ao-nivel-de-2009-mostra-estudo/.

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