Uma discreta matéria publicada na edição do último domingo da Folha de S. Paulo tocou em uma ferida aberta: a escassa e intermitente cobertura de temas locais por veículos de mídia independentes no Brasil. O caso do município de Pirapora do Bom Jesus, situado na Região Metropolitana de São Paulo e que não conta com nenhum jornal, ilustra bem as dificuldades do cidadão comum para se informar e decidir seu voto nas eleições municipais que se aproximam.
A discussão que se trava nesse contexto é sobre a relevância da informação jornalística desatrelada de interesses que comprometam sua autonomia e integridade. Em tempos dominados por notícias falsas, construção de narrativas maliciosas e hostilidades entre os atores políticos, o acesso à informação torna-se uma corrida de obstáculos. No ambiente das cidades brasileiras, é fácil constatar o déficit de cobertura local sistemática, mesmo nas metrópoles.
Nos momentos em que irrompem acontecimentos trágicos, a exemplo da ruptura da barragem da mineração em Mariana ou das enchentes em Porto Alegre, a opinião pública consegue perceber a realidade local sem retoques. Passado o impacto, no entanto, volta-se à rotina da negligência. Diga-se de passagem que “cobrir buraco de rua”, como se rotula no jargão profissional, nunca foi o forte do jornalismo brasileiro. A própria expressão indica a menor magnitude conferida à tarefa de inserir as cidades no universo editorial.
O panorama já foi pior, mas ainda hoje praticamente a metade dos municípios no país não conta com qualquer fonte noticiosa independente para acompanhar mais de perto as decisões das Prefeituras e das Câmaras de Vereadores sobre temas como contas públicas, saúde, educação, segurança, mobilidade e meio ambiente. São esses os critérios utilizados pelo Atlas da Notícia para produzir seus relatórios anuais com a cartografia da mídia brasileira.
Inspirado no projeto America’s Growing News Desert da revista norte-americana Columbia Journalism Review, o Atlas da Notícia tem dados confiáveis sobre o panorama da mídia no Brasil desde 2017. Trata-se de uma iniciativa do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) e que recebe apoio da Meta, empresa responsável pelo Facebook e Instagram. O conceito de “deserto de notícia” de que lança mão leva em conta a inexistência de veículo de comunicação, com assiduidade mínima, em qualquer plataforma.
Espaços digitais
Os dados mais recentes da pesquisa são de 2023 e apontam que 48,7% dos 5.570 municípios brasileiros se enquadram na condição de desertos de notícias, o que afeta 26,7 milhões de pessoas que não acessam informações sobre o lugar onde vivem. Em 2019, essa condição atingia 62,6% das cidades no país. O que mudou para melhor de lá para cá foi o surgimento de mais canais digitais que, juntamente com emissoras de rádio, respondem por 70% do total de veículos mapeados no ano passado.
Cabem nesse cenário digital iniciativas de pequeno porte, que se traduzem em sites, blogs ou páginas em redes sociais – e que ganham musculatura de forma orgânica. Um exemplo característico, relatado também pela Folha de S. Paulo, é o do jornalista Guilherme Fuoco que, há cinco anos, iniciou no Instagram a experiência de jornalismo comunitário voltado para o tradicional bairro paulistano do Limão, na Zona Norte da cidade. Hoje, emprega 13 pessoas envolvidas nas postagens da página Tem no Limão.
O que faz diferença na vida dos cidadãos, especialmente para os que não se encontram no topo da pirâmide econômica, é a possibilidade de acessar informações que dizem respeito à sua realidade concreta, desde o transporte público à assistência em postos de saúde, passando pela segurança em ruas muitas vezes escuras e maltratadas. Não raro, as decisões sobre a ocupação do território urbano repousam nas mãos das grandes incorporadoras imobiliárias.
Essas questões, entre tantas outras, deixam mais evidente a importância de se ampliar a oferta de informações de qualidade sobre o desempenho de vereadores e prefeitos, que costumam passar ao largo do escrutínio da opinião pública na maior parte dos municípios, especialmente nas regiões mais pobres. Em outras palavras, como dizem os responsáveis pelo Atlas da Notícia, o que está em jogo é a perspectiva de cobertura jornalística da vida cívica local.
É difícil estabelecer uma relação direta de casualidade entre desenvolvimento e oferta de notícias, como abordei no texto que escrevi para a publicação A reinvenção das cidades, da Fundação Astrojildo Pereira. Mas é possível afirmar que o acesso à informação faz diferença na qualidade das políticas públicas locais e na tomada de decisão dos eleitores que, mais uma vez, irão às urnas em outubro próximo para ditar o destino das cidades brasileiras.