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A liderança na economia de baixo carbono se constrói com inovação

Moro num país tropical, abençoado por Deus

E bonito por natureza (mas que beleza)

Em fevereiro (em fevereiro)

Tem carnaval (tem carnaval)

(País Tropical, Jorge Ben Jor)

O Brasil detém 15% da água doce do mundo, a segunda maior área de florestas, mais de 20% das espécies vegetais e animais do planeta e possui a maior porção da Floresta Amazônica, que é a maior floresta do mundo. Nosso país é também uma potência em biocombustíveis, sendo o segundo maior produtor de etanol e biodiesel, e tem 44,8% de sua matriz energética e impressionantes 84% da matriz elétrica compostos por fontes renováveis. Esses são fatos auspiciosos, que destacam a grandiosidade do patrimônio natural brasileiro e suas condições geográficas privilegiadas, mas também evidenciam o engenho e a capacidade de inovação do Brasil – a construção do setor elétrico brasileiro e da indústria de biocombustíveis, por exemplo, são casos únicos e notáveis.

Em tempos de mudança do clima e desafios associados, há um interesse crescente nos temas relacionados a energias limpas, descarbonização, projetos e negócios sustentáveis, como comentei neste artigo anterior aqui na Quinta. Na mídia, vemos com frequência comentários e declarações de personalidades do meio político e do setor público a respeito do “potencial do Brasil” – por exemplo, de “se tornar uma grande potência sustentável” e “liderar a transição verde do planeta”. São ambições legítimas de um país que pode chegar muito mais longe de onde já chegou. Mas o que é preciso para isso? Será mesmo que estamos bem posicionados para liderar uma economia mundial descarbonizada? O que nos qualifica para isso? Nossos ativos naturais? Vale analisar a questão dos pontos de vista conceitual e prático.

Liderar implica estar à frente da competição, ou pelo menos no pelotão da frente. Significa também ser capaz de criar valor econômico na economia de baixo carbono, não apenas preservar o meio-ambiente e os ativos naturais – o que, certamente, é fundamental, mas não suficiente para uma posição de liderança. É preciso conectar sustentabilidade com inovação e competitividade.

As primeiras concepções de competitividade, introduzidas pelos economistas clássicos como Smith e Ricardo, eram focadas nas trocas comerciais entre os países e na sua participação nos mercados globais. Essa visão foi substancialmente alterada em décadas recentes, passando-se de uma visão baseada em vantagens comparativas para uma calcada em vantagens competitivas – preste atenção nesta distinção, leitor, pois voltaremos a ela. Essa compreensão contemporânea da competitividade reconhece a importância da produtividade, da inovação, do acúmulo de capacidades técnicas e do aprendizado na criação de vantagens competitivas. Em termos práticos, a competitividade de uma nação pode ser entendida como a sua capacidade de gerar renda, desenvolvimento e bem-estar.

Baseado no trabalho de Michael Porter, professor recentemente aposentado da Harvard Business School, o conceito contemporâneo de competitividade tem uma diferença marcante com relação aos conceitos do passado: a noção de que a vantagem competitiva é construída, e não herdada da natureza. A competitividade de uma economia é determinada pela produtividade das empresas e da economia como um todo, que por sua vez depende de um ambiente econômico e políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento de novas capacidades e a inovação no meio empresarial.

Pano rápido e voltemos aos temas da sustentabilidade, transição energética e descarbonização. Como esses temas se relacionam na prática com inovação, produtividade e competitividade? O relatório de Tecnologia e Inovação 2023 da UNCTAD dá boas pistas, com uma mensagem muito clara: “A lacuna da tecnologia verde entre países está se ampliando”. Vejamos como e porquê:

“Mas, até agora, as economias desenvolvidas estão a aproveitar a maior parte das oportunidades, deixando as economias em desenvolvimento ainda mais para trás.As exportações totais de tecnologias verdes dos países desenvolvidos saltaram de cerca de 60 bilhões de dólares em 2018 para mais de 156 bilhões de dólares em 2021. No mesmo período, as exportações dos países em desenvolvimento aumentaram de base semelhante de 57 bilhões de dólares para apenas cerca de 75 bilhões de dólares. Em três anos, a participação dos países em desenvolvimento nas exportações globais caiu de mais de 48% para menos de 33%”.

Estes dados por si deveriam servir de alerta a todos que se preocupam com o futuro do planeta, de nossa economia e nossa gente. É evidente que os países em desenvolvimento, detentores de enormes riquezas naturais, estão ficando para trás no jogo da nascente economia de baixo carbono. Não é porque temos ativos naturais relevantes no Brasil que estamos bem posicionados para a economia de baixo carbono. Não cabe pensar em vantagens comparativas (ter sol, água, terra e biodiversidade em abundância…), é fundamental atualizar o ferramental intelectual e pensar nas vantagens competitivas que podemos construir.

A natureza abençoou o Brasil com ativos singulares, mas não será capaz de garantir o futuro da nossa economia. Enganam-se aqueles que pensam assim. Ter uma posição de destaque ou liderança na economia de baixo carbono dependerá não de nossas ativos naturais ou do que já fizemos até aqui, mas sim do acúmulo de capacitações técnicas, de gestão e mercado e de novos investimentos em inovação com ambição global.

Precisamos de uma aposta inequívoca em conhecimento e empreendedorismo. Para que isso ocorra no volume e na velocidade necessária para que não se fechem as janelas de oportunidade existentes, será preciso modernizar substancialmente a agenda pública de inovação no Basil, tema ao qual voltarei nos próximos artigos.

Roberto Alvarez é doutor em Engenharia, investidor em startups no Brasil e exterior, e Diretor Executivo da GFCC (Global Federation of Competitiveness Councils), organização global sediada em Washington.

 

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