Ao longo da história da arte são recorrentes as reflexões sobre a função e a genealogia da atividade artística, assim como os intensos debates sobre o que dita a valorização do trabalho dos artistas no mercado e o poder de transformação da arte.
No livro O poder da arte, o crítico britânico Simon Schama reflete sobre a arte como um ato de elaboração intelectual, sem se acomodar às concepções de beleza estabelecidas, e na reflexão em busca da verdade, como a filosofia, a poesia e a teologia.
Nesta Bienal de Veneza, essas questões vêm ao pensamento com insigths e descobertas visuais com obras que provocam e energizam o intelecto.
Schama lembra que Picasso classificava o momento de criação na arte mais como uma “arma de guerra”, indo além de pretender apenas ser um agrado aos olhos.
A Bienal de Veneza é a maior mostra internacional de arte. A edição atual tem a participação de 331 artistas e 88 pavilhões nacionais.
Pela primeira vez na sua história a curadoria é de um brasileiro, Adriano Pedrosa, que assina uma mostra inclusiva, com obras de artistas até então pouco conhecidos ou marginalizados.
O tema da 60a Biennale di Venezia é “Stranieri Ovunque – Foreigners Everywhere” (estrangeiros em todo o lugar), que sinaliza o repertório pontuado nas vozes outsiders, queers e indígenas. Muitos nunca haviam expostos numa exposição internacional.
Chamada de Bienal do Sul Global, a 60a edição posiciona a arte como uma forma de pensar o mundo, disruptiva e tensionadora do real.
Sob essa premissa, distintas visões de mundo podem convergir ou divergir sobre o que é arte ou o que está mais próximo da antítese de obra artística.
O que vi nos pavilhões dos Jardins Públicos de Veneza remete a trechos do livro “Políticas da imagem – Vigilância e Resistência na Dadosfera”, de Giselle Beiguelman.
Segundo a autora, “as imagens tornaram-se as principais interfaces de mediação do cotidiano. Ocupam a comunicação, as relações afetivas, a infraestrutura e os corpos via sistemas de escaneamento e aplicativos diversos”.
Diz a autora que, ao se tratar da política da imagem, falamos “também da sua conversão em um dos principais campos das tensões e disputas da atualidade, onde se cruzam poderes, devires, narrativas e resistências da dadosfera”.
A constatação é onipresente na Bienal representativa das vozes do Sul Global. Como ensina Simon Schama, “a grande arte tem péssimos modos e muitas vezes as maiores pinturas lhe aplicam uma chave de cabeça, acabam com sua compostura e, ato contínuo, põem-se a reorganizar seu senso da realidade.”
É a realidade da exclusão que está refletida nos trabalhos expostos em Veneza. Como pontua a crítica de arte do Financial Times, Jackie Wullschläger, Adriano Pedrosa afirma para nomes da América Latina, Oriente Médio, Ásia e África, pouco conhecidos na cena artística, “um lugar histórico e contemporâneo no cânone”.
* Consultora associada da Oficina Consultoria.