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Você jamais leu “Gênesis” da Bíblia dessa maneira

Reading Genesis, lançado há poucos dias pela premiada escritora norte-americana Marilynne Robinson, já figura em primeiro lugar na lista de best sellers da Amazon. A publicação tem merecido críticas elogiosas e recomendações de leitura nos principais canais de mídia e publicações especializadas em todo o mundo.

Em tradução livre, “Lendo Gênesis” é uma versão literária do Gênesis, o primeiro livro da Bíblia tanto hebraica como cristã, que descreve a criação do mundo. Ainda não comprei e sequer consegui ler todas as análises e resenhas do livro, mas fiquei fascinada com a criatividade inovadora do projeto de Robinson, que já ganhou um Prêmio Pulitzer.

Escritas por autores renomados e críticos literários reconhecidos, as recomendações de leitura convergem para a mesma conclusão: é um livro fascinante, imperdível.  “É um livro de escritor, não de um estudioso; não tem notas de rodapé”, diz o New York Times.

A revista cultural New Yorker observa que a romancista vê a Bíblia “como uma meditação sobre o problema do mal, que deve conciliar os lados mais sombrios da humanidade com a bondade de Deus e a bondade original do ser”.

Como profissional de comunicação, jornalista, consultora, autora e curadora, acho instigante a ideia de reescrever um dos textos fundamentais do mundo sob a perspectiva de narrativa literária. A Bíblia é o livro dos livros, cânone fundamental, a origem, o verbo, a compilação das Sagradas Escrituras.

A maior parte dos textos bíblicos é constituída por narrativas. Estudiosos, como o teólogo João Leonel, atestam que o objetivo dos textos da Bíblia é atuar no processo de formação do ser humano. Ele afirma que “não é possível ficar imóvel diante dos apelos das narrativas” bíblicas, porque elas “nos movem, nos incomodam, apresentam-nos dimensões outras que aquelas que vemos no cotidiano”.

Para além da questão religiosa, quero ressaltar neste texto a questão da ousadia da reescrita de um arquétipo fundamental. O meu ponto situa-se na esfera comunicacional e na escolha de recontar sob outro prisma literário um texto arquetípico.  O projeto de Reading Gênesis desperta meu interesse pelo ineditismo de transcrever para a prosa literária as Escrituras, obra de importância capital.

Francis Spufford, escritor que assina a resenha do livro para o New York Times, confirma a importância do projeto de Marilynne Robinson: “a coisa surpreendente sobre Reading Genesis, sendo livro de um escritor que pode fazer até mesmo os não crentes sentirem a presença daquilo em que não acreditam, é que Robinson não está interessada em ser numinosa”.  Ele diz que a autora aplica a sensibilidade usada em romances anteriores às Escrituras, “que, num gênero de escrita muito diferente da ficção realista, inaugurou o vocabulário de fé que hoje utiliza sua imaginação”.

Como o escritor pontua no NYT, no livro de Marilynne Robinson “a sublimidade da história da Criação, a estranheza de Jacó lutando com um anjo (ou talvez o próprio Deus), a visão temível de Abraão da escuridão – tudo isso está aqui, mas brevemente, mostra seu foco principal, que está em Gênesis como um relato em close-up de um clã humano”.

Spufford classifica o gênero do livro como crônica, tornada extraordinária pela garantia dos cronistas “de que, da afirmação inconcebível de poder da qual tudo emergiu e emergirá, veio uma pequena família de pastores que eram de interesse singular para o Criador”.

Penso que essa questão destacada no New York Times pode explicar a aclamação instantânea que o livro desperta. Trata-se de uma crônica da Bíblia ao recontar a história de uma família de pastores “de interesse singular para o Criador”.

O título da matéria no New York Times é quase um spoiler sobre o que espera o leitor: “Ninguém jamais leu Gênesis assim”. O jornal descreve a obra como uma interpretação fascinante do primeiro livro da Bíblia. Na primeira frase do livro a autora diz que a Bíblia é uma “teodiceia”, uma justificação dos caminhos de Deus.

Segundo o Houaiss, no leibnizianismo (doutrina do filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz), Teodiceia é o conjunto de argumentos que, em face da presença do mal no mundo, procura defender e justificar a crença na onipotência e suprema bondade do Deus criador, contra aqueles que, em vista de tal dificuldade, duvidam de sua existência ou perfeição”.

Assim, Francis Spufford antecipa no NYT que nas páginas de Reading Genesis vamos ler que os descendentes de Adão e Eva vagam, assassinam, estragam tudo, ficam bêbados imediatamente após suas ações mais impressionantes, enganam uns aos outros em troca de bênçãos, envolvem-se em poliamor e depois se arrependem violentamente, causam danos em grande escala enquanto fazem o bem.

O papel de Gênesis, segundo Marilynne Robinson, “é uma demonstração de como a liberdade humana pode coexistir com a presciência divina, com um plano pactuado”.

Na análise escrita na New Yorker, James Wood menciona obras anteriores de Marilynne – “Housekeeping” e “Gilead” – para pontuar que a autora “é magistral na tarefa híbrida de creditar adequadamente a humanidade e a divindade desses contos estranhos”, referindo-se ao Gênesis.

Na resenha sobre a obra, a Amazon diz que “é uma consideração poderosa dos significados profundos e da promessa da aliança duradoura de Deus com a humanidade. Este livro magistral irradia gratidão pela constância e benevolência da fé permanente de Deus na Criação”.

 

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