No centro das atenções, as redes sociais são cada vez mais determinantes na composição dos cenários políticos e sociais, na mesma dimensão em que representam um território ainda desconhecido e minado. Estudos recentes lançam luzes sobre o tema e convergem para apontar a renda como fator preponderante no comportamento de indivíduos e do conjunto da sociedade nesses ambientes.
Um dos mais relevantes, divulgado nesta semana, é fruto da pesquisa realizada pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), com foco na “conectividade significativa”, que destaca a qualidade da conexão utilizada pelo usuário. Nesse conceito, considera-se desde a velocidade e a confiabilidade da rede, a disponibilidade de dispositivos, a regularidade no uso da internet até as chamadas habilidades digitais.
Com esse ponto de partida, foi possível constatar que os usuários limitados a acessar a internet apenas pelo celular diferenciam-se daqueles que declaram dispor tanto do dispositivo móvel como também de um computador para navegar. Na primeira categoria, enquadram-se as pessoas que têm menos recursos para financiar uma conexão significativa e convivem com as restrições características dos planos pré-pagos de telefonia celular e dados.
Apenas 22% dos usuários brasileiros se enquadram nos níveis mais altos de conectividade, enquanto o grupo mais numeroso – 33% – está na posição oposta, ou seja, nos patamares mais baixos de conexão. As parcelas restantes se distribuem em posições intermediárias. No Brasil, é importante lembrar, 60% das pessoas que utilizam um celular são atendidas por planos pré-pagos. Nas classes D e E, essa proporção chega a 75% e cai para 31% no topo da pirâmide.
Os indicadores que nos interessam mais de perto na pesquisa abrangem as atividades de “busca de informação” ao lado da “comunicação e entretenimento” – categorias técnicas adotadas no levantamento. De acordo com o estudo do NIC.br, a proporção de quem verificou se uma informação veiculada na internet era verdadeira ou falsa é muito maior entre os que utilizam computador e telefone celular de forma simultânea: 71% desses buscaram a confirmação de veracidade.
Na escala mais baixa, a dos usuários com a única opção de navegar em celulares com franquias restritas de dados, apenas 37% declararam ter esse comportamento. Se forem considerados somente os que estão no último degrau da qualidade de conexão, esse patamar despenca para 19%. “As variadas camadas de desigualdade se sobrepõem umas às outras, aprofundando ainda mais as diferenças na forma e na qualidade de acesso à Internet”, anotaram os pesquisadores no estudo, que pode ser acessado na íntegra aqui e traz uma grande riqueza de dados.
Os recortes sobre a verificação das informações são um ponto-chave para a análise do padrão adotado pelos usuários brasileiros na internet em geral e nas redes sociais, em particular. É inevitável constatar que a renda é determinante para a maior difusão de informações falsas. Sem recursos para navegar de forma completa e com qualidade, os usuários de menor renda são presas mais fáceis da desinformação. Pesam também nesse ponto as habilidades digitais, que pressupõem conhecimento e intimidade com as ferramentas virtuais.
Nesse contexto, os autores do mais recente estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o consumo de mídias digitais no Brasil anotaram com preocupação que cerca de um terço dos usuários que acessam temas políticos na rede não considera grave a veiculação de informações falsas. Em detalhes, 12% opinam que a desinformação “não é tão grave” e outros 17% sustentam que “não é uma ameaça”. Entre os que manifestam essa convicção, 81% acessam diariamente o WhatsApp, a plataforma por excelência para compartilhar conteúdos.
Cenário global
Os brasileiros, como se sabe, são os campeões mundiais na utilização do WhatsApp, numa proporção de 90% dos adultos consultados pelos pesquisadores do Pew Research Center, segundo as informações divulgadas no último mês de fevereiro. Em comparação, nos Estados Unidos, apenas 29% das pessoas entrevistadas declararam utilizar essa rede com frequência. Essa diferença marcante tem a ver também com os pacotes de dados comercializados lá e cá, na medida em que os americanos contam com franquias generosas para o envio de mensagens.
O resultado que chamou mais atenção neste estudo foi a adesão maciça da população dos países considerados emergentes, como o Brasil, à ideia de que as redes sociais são benéficas à democracia. Na amostra de 27 países levantada pelo Pew Research Center, a Nigéria lidera o ranking com nada menos do que 77% de entrevistados que compartilham essa convicção. Em segundo lugar, está o México, com os mesmos 77%, mas um percentual um pouco maior de opiniões contrárias. No Brasil, situado na sexta posição, 71% enxergam as redes sociais como algo positivo para a democracia.
No outro extremo da lista aparecem os países desenvolvidos, com proporções maiores de entrevistados que externam uma visão negativa das redes sociais em relação à democracia em seus respectivos países. É o caso da Austrália, Holanda e França, que se destacam nesse aspecto no universo pesquisado. Mas nenhuma resposta foi tão contundente como nos Estados Unidos, onde 64% dos entrevistados acreditam que as redes são mais nocivas do que benéficas à democracia. A Suécia, com sua visão otimista sobre o papel das redes, é uma exceção à regra.
Os níveis de renda, portanto, afetam a percepção sobre as redes sociais também nessa configuração. Os países ricos tendem a ser mais críticos ao que se passa nesse ecossistema, enquanto os mais pobres aderem de forma quase entusiástica à convicção de que estão colhendo benefícios à democracia com o acesso às redes sociais. Na França, um dos mais pessimistas sobre os efeitos das redes, o presidente Emmanuel Macron chegou a propor a suspensão delas durante períodos críticos de inquietação social.
A posição em que o Brasil se situa nesse levantamento é um indicativo de que as constantes denúncias de inserção intencional de conteúdos falsos nas redes, com o intuito de desinformar os usuários, surtem pouco efeito na formação da opinião da maioria. O embate atual em torno da regulação das redes sociais no país ocorre em um ambiente comunicacional que tende a rejeitar restrições ao seu uso, seja por não detectar a prática da desinformação ou por não considerar que sejam delitos graves. Ou, ainda, por enxergar nessas redes mais efeitos benéficos do que nocivos à democracia no país.