Em tempos já quase remotos, na juventude, quando estava no início da vida de “estudante formal” (ou seja, quando estava matriculado como estudante em uma instituição de ensino), depois da família, eram a biblioteca e o professor que detinham o monopólio do conhecimento. É claro que há e havia famílias e famílias, professores e professores, bibliotecas e bibliotecas; o acesso ao conhecimento não era e não é igual para todos, especialmente em um país cheio de desigualdades como o nosso.
Hoje, informação e conhecimento estão amplamente disponíveis, são abundantes. Basta entrar na internet e ter acesso a um universo de conteúdo e estímulos. O acesso a informações e conhecimento sobre um tema ou assunto específico não é mais limitado pela disponibilidade desses ativos, mas sim pela conectividade – lembremos, em nosso país, apenas 29% da população tem banda larga com mais de 50 mbps. Os desafios passam a estar relacionados à seleção/validação das informações e conhecimentos e à gestão do tempo: como ler, escutar, assistir tudo e não ficar assoberbado? Mas isso tudo sabemos, certo?
Em uma das minhas vidas passadas, fui professor de cursos de pós-graduação, especialmente, e também de graduação, nos quais ministrei disciplinas de modelagem matemática, estratégia empresarial, gestão de cadeias de suprimentos, manufatura enxuta, etc., para turmas em todo o país. Se ser professor era desafiador, mas também divertido e uma enorme fonte de aprendizado. Nos dias de hoje, a labuta seria bem mais árdua.
A abundância de informações e os avanços da tecnologia trazem inúmeras oportunidades, mas também gigantescos desafios. A profissão de professor é das mais desafiadas pelos tempos atuais, em particular quando pensamos na educação de jovens, no ensino médio e na graduação, que têm acesso amplo a conteúdo e um tempo de atenção muito menor.
Nos dias de hoje, não há sentido em aulas, cursos, programas de educação e escolas que sejam focadas em transmitir informações ou conhecimento sobre assuntos específicos. É preciso mudar o foco da educação e os desafios para fazer isso na velocidade e escala necessária são enormes. O tipo de mudança necessárias nos sistemas de educação deve considerar pelo menos quatro aspectos:
- O conjunto de habilidades e competências necessárias para o mundo do trabalho e a vida em sociedade mudou e continua em mudança. Por certo, as habilidades e competências analíticas e aquelas relacionadas à linguagem continuam a ser importantes, mas há novas a trabalhar;
- Se o conhecimento (“o quê”) está abundantemente disponível, o foco da formação de jovens deveria ser voltado para prepará-los a saber fazer (“como”), estabelecer relações (“porque”), imaginar e conceber (criatividade), integrar saberes e conhecimentos de forma sistêmica, e resolver problemas complexos.
- Cada vez mais, há a necessidade de combinar habilidades e competências soft (comportamentais e relacionais) e hard (analíticas, de linguagem, algorítmicas, formais).
- Um cenário de crescimento acelerado da tecnologia e mudanças rápidas no mercado de trabalho implica em mudanças constantes nas habilidades e competências demandadas pelas organizações. É imperativo que os sistemas de educação e treinamento sejam então flexíveis, capazes de adaptar a responder rápido a mudanças no ambiente.
Tudo isto é sabido há um bom tempo nos círculos de especialistas em educação – eu não sou um deles, apenas um curioso sobre o tema. O problema que se apresenta é sobre como lidar com isso na prática. Quais são os modelos, métodos e escolas que são capazes de fazer isso? Na GFCC, organização da qual sou Diretor Executivo, coordenei um estudo sobre “Future Skills” (Habilidades e Competências do Futuro) que lançamos em 2021 e fornece algumas pistas a respeito.
O foco desse trabalho não era sobre os skills em si, mas sim sobre quais escolas, cursos, iniciativas e tipos de programas são capazes de desenvolvê-los e como isso está acontecendo na prática em diferentes realidades. Além de informações sobre 31 casos em vários países, o relatório apresenta 8 tendências chaves. Deixo o convite: vale consultá-lo.
E chegamos a 2022… quando foi lançado o ChatGPT, e tudo mudou. Em apenas 5 dias após o seu lançamento, o ChatGPT atingiu a marca de 100 milhões de usuários. Em comparação, o Facebook, que muitos usamos ou usávamos (eu não uso mais, acho um saco), demorou 10 meses para chegar a ter esse número de usuários, e a Netflix 3 anos e meio. Em apenas 5 dias, o mundo mudou, e a forma como trabalhamos e as habilidades e competências que precisamos também.
A Inteligência Artificial (IA) avança a passos largos e já é parte integral das nossas vidas. Talvez você ainda não use ativamente no seu trabalho, mas certamente usa IA dezenas, centenas ou até mesmo milhares de vezes por dia sem saber, quando escolhe um filme, faz uma compra online, uma transação bancária no celular e assim por diante. Aliás, se você não usa no seu trabalho, é tempo de correr. Garanto-lhe: em pouco tempo seu trabalho será executado por alguém que usa ativamente IA nas tarefas cotidianas e talvez essa alguém não seja você, se você não se movimentar…. já! Essa mesma IA tem cada vez mais aplicações na educação.
Pedi ajuda a um amigo especialista em educação e IA, e tudo mais o que você imaginar, para fazer uma lista de alguns dos principais usos da IA na educação. Seguem aqui as indicações do meu amigo GPT4 em relação a usos:
Personalização da Aprendizagem: A IA pode analisar o desempenho dos alunos em tempo real e adaptar o material didático para atender às suas necessidades individuais. Sistemas de aprendizado adaptativo permitem que os alunos progridam em seu próprio ritmo. Exemplo: Knewton.
Assistentes de Ensino Virtuais: Robôs e chatbots alimentados por IA podem ajudar os alunos a esclarecer dúvidas, oferecer recursos adicionais de aprendizado e até fornecer feedback sobre tarefas, funcionando como tutores virtuais disponíveis 24 horas por dia. Exemplo: Duolingo.
Avaliação Automatizada: A IA pode ser usada para avaliar automaticamente as respostas dos alunos, desde testes de múltipla escolha até respostas escritas mais complexas. Isso pode ajudar os professores a economizar tempo e a oferecer feedback mais rápido aos alunos. Exemplo: GoMining.
Detecção de Dificuldades de Aprendizado: Algoritmos de IA podem identificar padrões que indicam dificuldades de aprendizado ou desengajamento dos alunos. Essas ferramentas permitem intervenções mais rápidas e personalizadas para ajudar os alunos que podem estar enfrentando desafios. Exemplo: Lexplore.
Gerenciamento de Cursos e Conteúdos: Sistemas baseados em IA podem ajudar na organização e no gerenciamento de recursos educacionais, otimizando a distribuição de conteúdo e facilitando o acesso dos alunos a materiais relevantes. Exemplo: Coursera.
Simulações e Jogos Educativos: A IA também está sendo usada para criar ambientes de simulação e jogos que proporcionam uma aprendizagem experiencial e interativa. Essas plataformas podem simular cenários complexos ou históricos para uma imersão educacional mais profunda. Exemplo: Age of Learning.
Análise de Dados Educacionais: Com o uso de grandes volumes de dados educacionais, a IA pode ajudar na análise de tendências e na previsão de resultados de aprendizagem, permitindo que as instituições de ensino melhorem suas estratégias pedagógicas. Exemplo: Civitas Learning.
Acessibilidade: A IA também contribui para tornar a educação mais acessível para estudantes com deficiências, por meio de ferramentas como leitores de texto, tradutores automáticos e interfaces adaptativas. Exemplo: Blackboard Ally.
Os exemplos acima ilustram uma pequena parte do potencial da aplicação da IA para a educação. Enquanto isso, em todo o mundo, proliferam as startups digitais voltadas para educação e o mercado para as EdTechs cresce mais de 14% ao ano. É um ambiente no qual enormes oportunidades de negócio estão se abrindo para as EdTechs, inclusive para aquelas surgidas no Brasil, como a já mencionada GoMining, da qual sou investidor e é pioneira e líder tecnológica no mundo na sua área de aplicação.
Em poucos dias, em 14 de abril, iniciará aqui em San Diego aquele que já é o principal evento de tecnologias para educação no mundo, o ASU+GSV Summit. Sem surpresa, a IA será a principal tecnologia em destaque. Por um lado, o avanço da tecnologia traz consigo mudanças nas competências necessárias para o mercado de trabalho e, por consequências, naquilo que os sistemas de educação e treinamento precisam ‘entregar’; por outro, habilita a transformação dos processos de educação em si.
Repito: é um enorme desafio ser professor nos tempos de hoje. É preciso repensar os métodos utilizados para passar da ‘entrega de conteúdo’ à condução e orientação de uma ‘jornada de aprendizagem e desenvolvimento de competências’ (softs e hards). Digo-lhes: isso é difícil e dá mais trabalho, muito mais trabalho que ‘entregar’ conteúdo. Some-se a isso, a necessidade de aprender como usar vários novos sistemas e soluções, muitas delas baseadas em IA, para apoiar os processos de educação. Mas isso não exaure a questão.
Neste momento, a IA também torna mais complexa a vida dos professores, ‘designers’ e projetistas de processos de aprendizagem. Por quê? Porque lhes apresenta dois novos e gigantes desafios, além dos já pontuados anteriormente:
- Como educar e treinar as pessoas para usarem a inteligência artificial em todos os tipos de atividades e setores? Isso já está acontecendo: todas as empresas usarão IA e exigirão que seus funcionários façam o uso de IA. As que não fizerem isso desaparecerão, fecharão as portas. Parte grande do desafio está associado ao fato que ainda não sabemos onde e como usar IA, e quase nada sabes sobre como é trabalhar em grupo com um colega que é um algoritmo, e não um humano. Se não sabemos, como podemos preparar as pessoas?
- Como usar a IA nos processos de educação e o que isso implica? Há questões práticas; por exemplo: como treinar um desenvolvedor de software para criar sistemas usando IA, quando o algoritmo gera o código fonte? Até que ponto o programador precisa de fato programar? E existem questões ‘conceituais’; por exemplo: se entendermos que é fato certo que todos os estudantes universitários já usam inteligência artificial para elaborar seus trabalhos, como estabelecer se o estudante de fato fez o trabalhou ou não? Cada vez mais, todos os trabalhos feitos por estudantes são em grupo, nunca individuais. O que isso implica em aprendizado, autoria e desempenho? Como avaliar o desempenho? De quem?
As oportunidades são gigantescas e sou otimista. Mas é preciso reconhecer os desafios do momento. Quais professores, empresas e instituições estão preparados pare esta nova realidade. Por enquanto, temos muito mais perguntas do que respostas. E agora Professor José?