skip to Main Content

Arte de Volpi transgrediu padrões religiosos

As marcas da intolerância no apagamento dos afrescos de Volpi em Brasília

Num domingo de 1962, os fiéis que chegaram à Igrejinha da 308 Sul para a tradicional missa da manhã encontraram as paredes da primeira capela de Brasília lixadas e cobertas por tinta. Desapareciam ali os afrescos concebidos quatro anos antes por Alfredo Volpi, o pintor que ousou transgredir os cânones da Igreja Católica e colheu, em troca, o apagamento de sua arte.

Esse ponto de chegada é o mote que Graça Ramos desdobra neste livro que consolida sua trajetória como pesquisadora da história da capital da República. Jornalista e historiadora da arte, a autora de O apagamento de Volpi: presença em Brasília desvenda a complexa teia de interesses que levou à decisão de condenar ao limbo as imagens envolvidas no azul característico do pintor.

Essa sentença extremada, proferida há mais de 60 anos, é parte da “batalha iconográfica inaugural”, como ela define, em torno do perfil da cidade que despontava no Planalto Central. A missão de dar um novo significado ao país que inventava a capital modernista veio embalada pelas mãos de artistas, arquitetos e pensadores da realidade brasileira da época. Volpi era estrela em ascensão naquele momento vibrante.

O livro publicado pela Tema Editorial, no entanto, não é apenas um trabalho exaustivo de pesquisa que revela informações inéditas e elabora reflexões originais. Graça Ramos ousa um tom confessional em seu texto, atravessado por afetos, memórias e epifanias. São marcas pessoais que enriquecem sua escrita refinada e sensível.

Imagens históricas
A edição traz uma rica coleção de imagens históricas que iluminam um recorte pouco conhecido da obra de Volpi. Os leitores vão se surpreender com a reprodução de fotogramas do documentário “Brasília – A cidade da Alvorada”, dirigido por Torgny Anderberg, com fotografia de Kalle Bergholm. É o resgate possível dos afrescos idealizados pelo pintor que se consagraria nas décadas seguintes.

Graça Ramos mergulha de maneira profunda nas formas idealizadas por Volpi para a Igreja Nossa Senhora de Fátima – o nome de batismo da Igrejinha, ainda sob impacto da imagem da santa que percorrera ruas brasileiras carregadas de fervor. A autora identifica vestígios da formação artística do pintor, aborda o simbolismo que os afrescos oferecem e as influências exercidas pela própria cidade nascente na obra do artista.

O livro destaca o papel cumprido pela Igreja Católica nesse enredo que levou à raspagem da pintura de Volpi das paredes da edificação inovadora projetada por Oscar Niemeyer. As vozes religiosas que se insurgiram contra o traço volpiano, tachando-o de infantil e transgressor, pesavam no ambiente político da época. Juscelino Kubitscheck desdobrava-se em gestos de cordialidade com os líderes católicos para fazer avançar o processo construtivo de Brasília.

A intolerância contra manifestações artísticas tem no episódio do apagamento da obra de Volpi na Igrejinha uma referência marcante na história da arte brasileira. Ao conhecer os detalhes dos acontecimentos da época, os leitores podem encontrar não apenas um episódio obscurantista, mas também uma narrativa estimulante que convida à reflexão sobre o valor da arte e sua importância na construção da identidade do próprio país.


Ficha técnica

Título: O apagamento de Volpi: presença em Brasília
Autora: Graça Ramos
Número de páginas: 240
ISBN: 978-65-89210-01-6
Tema Editorial (www.temaeditorial.com.br)

Back To Top