Lições de liberdade
Flávia Andrés Cataldo
Se você algum dia for à China, a passeio ou a trabalho, avise aos amigos e à família: seu Facebook, Twitter e, com alguma chance, também seu e-mail estarão fora de órbita.
Trata-se da política de monitoramento do governo chinês sobre o acesso e uso da internet no país. Há em vigor uma extensa lista de sites oficialmente banidos, que inclui Google (e suas ramificações, como o Maps, Docs e Gmail) e o jornal norte-americano The Wall Street Journal.
O The New York Times, por exemplo, vem há pelo menos duas décadas tentando penetrar no mercado chinês. Atualmente, grande parte de seu conteúdo encontra-se bloqueada e está além do alcance de leitores em potencial.
Palavras-chave foram catalogadas de modo a facilitar a atuação do departamento de controle e censura. Vão de ‘protesto’ e ‘comunismo’ a ‘democracia’, ‘despotismo’ e ‘ditadura’. Jornais de oposição são pressionados a adaptar ou encerrar suas atividades, e ativistas dissidentes têm sido processados e presos.
O pano de fundo de projetos conhecidos como Escudo Dourado e Grande Firewall da China segue um dos provérbios favoritos do líder politico Deng Xiaoping: “Se você abre uma janela por várias horas, deve pressupor que em algum momento insetos irão entrar por ela”.
Assim, o governo chinês espera que, ao limitar a entrada de informações no país, o mal que poderia voltar-se contra si próprio também estaria eliminado.
É aí que entra a possiblidade de aprendermos com a experiência alheia. Nós, brasileiros, que cada vez mais fazemos uso da internet e das mídias sociais. Nós que dividimos nossas vidas e opiniões com centenas (milhares?) de amigos, colegas, tios e primos, mas também com outros tantos desconhecidos. Nós que somos parte desse fervor crescente, que temos essa vontade de alimentar discussões acirradas sobre política, direitos sociais e outros temas de difícil consenso.
O que se vê nos círculos sociais, e por vezes nos noticiários, é que a exposição das nossas diferenças de opinião tem nos dividido de modo irreconciliável.
Se, por um lado, temos amplo acesso à informação, por outro, falta-nos apreço e bom uso das diversas fontes de notícia e conhecimento que nos chegam. Desfrutamos de irrestrita liberdade de expressão, mas frequentemente a levamos a um extremo desrespeitoso. Nosso julgamento moral é implacável.
Nós, brasileiros, temos privilégios de cidadãos livres, mas os dissipamos, o que contamina a nossa capacidade de melhorar como povo. É simples e complicado assim.
Flávia Andrés Cataldo é advogada e pesquisadora nas áreas de Sociologia e Comunicação.