O legado do tempo dos progressistas no poder
Cristovam Buarque traz uma reflexão necessária e urgente sobre o período em que os governos de orientação progressista e democrática estiveram no poder, e que terminou com uma guinada conservadora no Brasil. Ao escrever na primeira pessoa do plural, o autor assume sua parcela de responsabilidade pelos acontecimentos que atravessaram um quarto de século e legaram um país sem coesão e sem rumo. Como intelectual e militante de esquerda, ele aponta os erros mais graves desse ciclo histórico.
Viemos para reformar e ficamos na história como antirreformistas.
Não vimos que o Estado ficou insolvente financeiramente, por causa do excesso de gastos. O Estado tornou-se também incompetente gerencialmente, por seu gigantismo e aparelhamento ao atender as reivindicações eleitorais e fisiológicas de nossos partidos e militantes. Ficou ainda indecente ao perder o compromisso com o público e os usuários, além de ser contaminado pela corrupção.
Mais grave do que crise ou recessão, deixamos o Brasil como uma civilização em decadência.
A amarra aos líderes foi uma das principais causas de nossa derrota em 2018. A recusa da realidade e o culto à personalidade terminaram por aprisionar nossa linguagem, nossas análises, táticas e estratégias, sem metas e propostas para o longo prazo. (…) Para proteger nossos líderes, subestimamos a corrupção diante da qual fomos omissos, sem acusar, julgar, punir nem ao menos criticar os responsáveis pela cobrança de propinas, depredação de estatais e de fundos de pensões.
Nossos intelectuais toleraram de maneira subserviente a corrupção explícita e o aparelhamento do Estado.
Privatizamos as universidades estatais, limitando-as a servir os indivíduos que nela estudam e trabalham, assim como as tratamos como propriedade de seus alunos e professores, não da sociedade, do povo, da nação. Não transformamos as universidades em motor do progresso.
(Trechos do livro Por que falhamos)
Nascido em Recife, Cristovam Buarque formou-se em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e tornou-se doutor em Economia do Desenvolvimento pela Universidade Sorbonne, Paris, em 1973. Funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) por seis anos, serviu no Equador, em Honduras e nos Estados Unidos.
Regressou ao Brasil em 1979 como professor da Universidade de Brasília (UnB), no Departamento de Economia. No período de 1985 a 1989 assumiu a Reitoria da UnB, no momento histórico em que o Brasil restaurava sua democracia.
Governador eleito do Distrito Federal, exerceu o cargo de 1995 a 1999. Foi senador da República pelo Distrito Federal, em sucessivos mandatos, de 2003 a 2018, depois de ter sido ministro da Educação no governo Lula. Em 2006, candidatou -se à Presidência da República. Como articulista, colabora com grandes jornais brasileiros. Publicou diversos livros no Brasil e no exterior.
Fotos: Paulo Negreiros