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Em nome da convivência

Beth Cataldo

Na era dos bytes, ferramentas e gadgets tecnológicos em profusão, é muito interessante que alguém levante o olhar, como faz o sociólogo Dominique Wolton, para lembrar que comunicação não tem apenas a face tecnológica, ou predominantemente tecnológica. Mas sim que remete à história, política e cultura. Essa visão humanista a que se propõe o autor de Informar não é comunicar (Editora Meridional/Sulina) apresenta-se como um antídoto à concepção tecnicista do processo de comunicação.

Mais do que isso, Wolton insiste que “tirar a comunicação do império da tecnologia” significa inseri-la no ambiente de negociação e convivência, próprio da cultura democrática. O sentido da comunicação para ele é justamente o de respeitar a alteridade, construir caminhos de coabitação e estimular a tolerância entre pontos de vista frequentemente antagônicos.  “A tolerância é uma das condições estruturais de qualquer processo de comunicação” – ensina.

O momento brasileiro, marcado pelo profundo antagonismo no campo político, não poderia ser mais propício para se visitar Wolton e desfrutar sua percepção antropológica da comunicação. A dissensão política e ideológica vivida pelos brasileiros, com suas trincheiras fundas e quase instransponíveis, assemelha-se ao processo que ele descreve como “incomunicação”, que costuma levar a consequências belicosas se não for superado pelo esforço de convivência democrática.

Transcender as ferramentas tecnológicas e passar ao largo do triunfalismo da informação onipresente e opressiva nos dias de hoje pode abrir espaço para se respeitar e organizar a convivência entre as diferenças, como propõe Wolton. Afinal, ele argumenta, “o diabo da alteridade infiltra-se em todas as trocas comunicativas”. É esse outro, pouco conhecido ou reconhecido, que ele convida para o centro da arena midiática ao reforçar o conceito fundamental da sua teoria da comunicação.

Para um pensador mergulhado no ambiente europeu de reafirmação de identidades nacionais excludentes, com a crescente rejeição à imigração daqueles que vêm de outro mundo social, étnico e religioso, o recado de Dominique Wolton não poderia ser mais claro. “Tolerância ou conflito de culturas” é como ele caracteriza o desafio que o mundo globalizado tem pela frente no século 21.

Convite generoso

Enredado em seus conflitos internos, o caso brasileiro é muito menos de intransigência com grupos de imigrantes estrangeiros e mais de desencontro exasperado dentro de suas próprias fronteiras. A lição, no entanto, é a mesma. Negociar pontos de vista contraditórios, conviver, coabitar. Ou, então, dissentir, conflitar, numa guerra de extermínio sem fim. Didático, Wolton se desdobra em explicações: “Conviver é respeitar, tolerar-se, ir mais longe, interessar-se pelos outros”.

Nesse contexto, ele define a comunicação como “um convite à experiência e à tolerância”. É nessa relação complexa e desafiadora que o autor concentra sua energia intelectual. Como reitera, não só a comunicação vai muito além da transmissão de informações, como também não se resume às redes – essa palavra que se tornou mágica nos nossos tempos. As redes têm características homogêneas, evidenciam um agrupamento de iguais, fenômeno mais próximo do que ele chama de comunitarismo.

Como fica a problemática mais complexa da sociedade? – pergunta. “Em sociedade, é preciso reunir não apenas aqueles que compartilham valores e interesses comuns, mas também aqueles, mais numerosos, que são diferentes”. Diga-se que ele ressalva a importância de a sociedade estabelecer-se em bases igualitárias, justamente para favorecer a troca de pontos de vista em condições equânimes. Ainda toca em outro ponto nevrálgico, ao assinalar que é preciso passar “da ideia do compartilhamento à de negociação e coabitação”.

Por fim, sua concepção também coloca em segundo plano a expressão meramente pessoal ou a experiência da interatividade proporcionadas pela internet dos nossos tempos. De novo, ele insiste, é preciso ir além do ponto de vista individual e aceitar posturas divergentes para se caracterizar um processo efetivo da comunicação. Frequentar as entranhas das redes sociais no Brasil certamente ajudaria Wolton a reforçar ainda mais suas convicções e seus temores.

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