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Novos e velhos porteiros

Duas conclusões separadas por nada menos do que seis décadas – sim, 60 anos – guardam notável semelhança no campo da comunicação. Ambas dizem respeito à triagem das informações apresentadas ao público e à capacidade de influenciar a opinião daqueles que as consomem.

Ao longo das décadas, esse processo de gatekeeping assumiu diferentes denominações, de funil a curadoria, até se chegar aos tempos atuais em que os algoritmos podem ser considerados os novos porteiros do mundo da informação. Tudo converge para o mesmo sentido de seleção de notícias, textos, vídeos, áudios.

A questão primordial que perpassa esses tempos históricos é a capacidade de se moldar as crenças do público a partir do cardápio de conteúdos que lhe é ofertado. Seja em meados do século passado, quando os veículos impressos assumiam papel central e as agências de notícias se estabeleciam, ou na era da comunicação digital, os estereótipos ainda predominam.

A tendência prevalente é quase sempre a de conceber o público como um conjunto de pessoas passivas e completamente receptivas às ideias que brotam dos jornais ou das telas. E que proliferam com intensidade ainda maior nas redes sociais do nosso tempo. É como se os seletores de informação – humanos ou digitais – estivessem a preencher cabeças vazias de convicções e concepções próprias.

Nesse contexto, ainda em 1963, Bernard Cohen, oriundo da área de ciência política, formulou uma conclusão lapidar: “A maior parte das vezes, a imprensa não tem êxito dizendo às pessoas o que devem pensar, mas tem sempre êxito dizendo aos seus leitores aquilo sobre o que devem pensar”, conforme citação do estudioso da comunicação Enric Saperas.

Um corte abrupto para os nossos dias destaca a constatação dos pesquisadores Talia Jomini Stroud, da Universidade do Texas, e Joshua A. Tucker, da Universidade de Nova Iorque, em estudo sobre as eleições americanas de 2020: “Os algoritmos são eficientes para influenciar o que aparece nas redes sociais dos indivíduos e para segregar o tipo de informação que cada um vai receber, mas isso não é suficiente para mudar o comportamento político dos usuários”, noticiou o site da Veja em 31 de julho deste ano.

No cenário do Brasil, vale lembrar a formulação da socióloga Fátima Pacheco Jordão, especialista em pesquisas de opinião pública. Ela sustenta que os brasileiros são amplamente versados na linguagem audiovisual, por força do consumo intensivo de programas televisivos, que aqui encontraram terreno fértil, em meio às notórias deficiências de letramento da maioria. Nessa linha, seriam capazes de decifrar os jogos encenados por atores políticos e sociais.

As conclusões dos pesquisadores do campo da comunicação jogam luzes sobre o caráter estratégico que o chamado agendamento representa desde sempre. A capacidade de os veículos tradicionais de comunicação e das contemporâneas redes sociais pautarem o leque temático consumido pelo público representa um enorme desafio a se transpor. O que está em jogo são os anseios por diversidade de temas e vozes na arena midiática.

Ao mesmo tempo, soa insuficiente a constatação de que a audiência é capaz de manter seus valores morais e políticos quando exposta ao complexo sistema que se formou em torno da oferta de informação e entretenimento. Fica clara a necessidade de se voltar o foco ao receptor para perscrutar seu comportamento, seu ideário, sua alma, enfim. Os próprios autores do estudo sobre as eleições nos Estados Unidos indicaram que permanecem com mais dúvidas do que certezas.

DOIS PONTOS

  • Estudos acadêmicos separados por largo espaço de tempo convergem para a visão de que os meios de comunicação e as redes sociais são incapazes de mudar a opinião do público, mas podem determinar os temas em evidência.
  • O foco no chamado agendamento torna-se fundamental no esforço de se garantir a diversidade de leque temático e de atores retratados na mídia.
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