Para combater o mau humor da economia
Beth Cataldo –
A economia é um tema que frequenta pouco o humor, aferrada como é à realidade dos números, com a ambição de representar racionalmente os movimentos do mundo. As estatísticas encobrem histórias sociais e pessoais, que não costumam merecer muita atenção na exibição dos dados agregados. Quando não está imersa em crises cíclicas que desafiam governantes pouco prudentes, a vida econômica comporta intermináveis contendas entre especialistas vaidosos e inatingíveis.
Assim, ter em mãos o livro A graça do dinheiro, com as melhores charges sobre economia extraídas da revista norte-americana The New Yorker, é como chegar a um oásis. Publicada pela editora Zahar, a coletânea de charges cobre o período de 1925 a 2009, tempo mais do que suficiente para encaixar crises de proporções bíblicas, como a debacle de 1929, o desastre da dívida externa dos países emergentes nos anos 1980 e, mais recentemente, o colapso financeiro de 2008 – entre outros episódios.
De imediato, A graça do dinheiro expõe uma diferença fundamental entre a realidade econômica dos Estados Unidos e a do Brasil. Lá, o mercado de ações é um personagem constante, com suas idas e vindas, perdas e ganhos expressivos. E não é apenas um personagem que habita escritórios empresariais. Pelo contrário, está presente na conversa íntima das famílias, desde os conselhos do pai ao filho até as brigas conjugais. Passeia pelas ruas, infiltra-se no cotidiano da sociedade.
No retrato da parede, a expressão feliz de J.B. tem uma explicação singela: foi flagrado “bem no pico do mercado”. Na mesma década de 1950 – o livro é dividido em intervalos de dez anos –, outro retrato na parede arranca suspiros da mulher com uma xícara de chá na mão: “É uma pena ele não ter vivido para ver a ação da A.T. &T. valendo duzentos novamente”. Pouco provável, convenhamos, que uma charge semelhante pudesse ocorrer, mesmo nos dias de hoje, aos ótimos cartunistas brasileiros.
Os exemplos são inúmeros. O pai zeloso, de jornal na mão, indica para o filho pequeno: “Vê o que estou apontando? O papai é dono de uma pedacinho disso, e a ação fechou valendo oitenta e seis!”. No leito do hospital, o marido aconselha a mulher ao pé da cama: “Se alguma coisa me acontecer, Barbara, não venda as ações da Xerox”. Na década de 1960, em pleno teatro de guerra, um oficial do Exército comenta com outro: “Bem, enquanto fazemos a nossa parte, o pessoal em casa está fazendo a dele. O Dow Jones subiu de novo”.
Impossível não rir da cena em que o suicida, já empoleirado no parapeito da janela, pergunta para o amigo que lhe estende um papel na tentativa de dissuadi-lo da saída pela morte: “Tem certeza de que não é apenas uma alta artificial?”. Ao fundo, um quadro do mercado de ações. De volta à cena familiar, na década de 1970, o marido adverte a mulher: “Me acorde quando a bolsa chegar a mil pontos”. Na virada do milênio, o equipamento complexo, diante do quadro recheado de fórmulas matemáticas, “foi projetado para produzir eletricidade a partir das flutuações da bolsa de valores”.
Diferenças e semelhanças
A explicação para a presença constante do mercado de ações nas charges da New Yorker é simples: o capitalismo norte-americano tem na bolsa de valores um dos seus principais pilares. As pessoas físicas aplicam em renda variável, os fundos de pensão garantem a aposentadoria de seus participantes com os ganhos no mercado acionário, empresas de tamanhos variados são cotadas em bolsa e por aí vai. Em outras palavras, trata-se de um investimento popular, enraizado na cultural local.
É claro que os humores do mercado de ações costumam ser inescrutáveis tanto lá como aqui, onde as bolsas de valores representam uma parcela ínfima dos investimentos, até pela concorrência dos juros mais elevados do mundo nos papéis de renda fixa.
De qualquer maneira, o comentário do analista na TV bem poderia ser aplicado ao nosso cenário: “Hoje, em Wall Street, o anúncio de taxas de juros baixas fez o mercado subir, mas então a expectativa de que essas taxas seriam inflacionárias fez o mercado cair, até a percepção de que taxas mais baixas poderiam estimular a economia deprimida e fazer o mercado subir outra vez, até ele cair definitivamente, diante do receito de que uma economia superaquecida levaria a um restabelecimento de altas taxas de juros”. Na mosca.
Há outros pontos de contato mais próximos entre norte-americanos e brasileiros no mundo econômico. O diagnóstico do psicanalista para o cliente deitado no divã é um deles: “A meu ver, seu problema é a repressão de uma obsessão por recessão”. Às voltas com os cálculos no computador, o marido apresenta a conclusão à mulher: “Se nos aposentarmos tarde e morrermos cedo, a gente passa raspando”. Duro mesmo é identificar-se com a imagem do engravatado empurrando um carrinho de dinheiro enquanto a secretária o anuncia ao chefe: “A propina gostaria de uma audiência, senador”.